Cardiopatia congênita afeta 29 mil crianças/ano e 6% morrem antes de completar um ano de vida. Conscientização da doença reforça a importância do diagnóstica precoce

A cardiopatia congênita é um grupo de anormalidades na estrutura do aparelho cardiocirculatório, secundária a uma alteração no desenvolvimento embrionário, que pode surgir nas primeiras oito semanas da gestação, quando se forma o coração do bebê, causando insuficiência circulatória e respiratória, o que pode comprometer a qualidade de vida do paciente.

Estima-se, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), que cerca de 130 milhões de crianças no mundo tenham algum tipo de cardiopatia congênita. Uma relação de um caso a cada cem nascimentos, segundo a American Heart Association, chegando a 1,35 milhão de doentes por ano. No Brasil, de acordo com o Ministério da Saúde, são dez casos a cada mil nascidos vivos, estimando em 29 mil o número de crianças que nascem com cardiopatia congênita por ano e cerca de 6% delas morrem antes de completar um ano de vida. Na apresentação grave da doença após o nascimento, ela pode ser responsável por 30% dos óbitos no período neonatal.

Por isso, diagnosticar precocemente é o fator principal para que a criança cardiopata possa receber o atendimento correto e no tempo necessário. “As cardiopatias congênitas são a terceira principal causa de mortalidade infantil e por não serem evitáveis, o diagnóstico e o tratamento precoces podem, na maioria dos casos, reverter a doença”, explica Klebia Castello Branco, presidente do Departamento de  Cardiopatias Congênitas e Cardiologia Pediátrica (DCC/CP) da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC).

Para reforçar essa importância e os desafios do acesso integral à saúde aos portadores dessa doença, é comemorado na nesta sexta-feira,12 de junho, o Dia Nacional de Conscientização da Cardiopatia Congênita. A data também é uma forma de homenagear pais, familiares, profissionais e demais pessoas que lutam pela vida e enfrentam as dificuldades dessas enfermidades.

Em muitos países do hemisfério norte essa data já é institucionalizada e faz parte do calendário, a exemplo dos Estados Unidos, onde é comemorado em 14 de fevereiro (Valentine’s Day).  No Brasil, a data escolhida seguiu a alusão americana, com uma adaptação à nossa cultura para o Dia dos Namorados, no mês de junho. “Esse dia deve ser instrumento de conscientização para que as informações cheguem ao maior número possível de pessoas, ampliando as chances para mais e mais crianças conseguirem o tratamento necessário”, reforça Klebia.

Atendimento especializado

Presente desde o nascimento, as cardiopatias congênitas podem ser diagnosticadas mais tardiamente, includive na fase adulta, mas com a melhora do tratamento é possível viver satisfatoriamente. Entre os possíveis fatores de causas da doença estão algumas condições maternas, como diabetes mellitus, hipertensão, lúpus, infecções como a rubéola e a sífilis, uso de medicamentos e drogas e histórico familiar. Pais e mães portadores de cardiopatias congênitas apresentam uma chance duas vezes maior de gerar um bebê cardiopata. 

Muitas mães só descobrem que seu bebê tem algum problema no coração após o nascimento quando o Teste do Coraçãozinho é realizado. Esse exame deve ser feito nos primeiros dias de vida da criança, ainda na maternidade. O teste é feito com um oxímetro, que mede o nível de oxigênio no sangue do bebê e seus batimentos cardíacos – é um exame de baixo custo, rápido, não invasivo, indolor e obrigatório, oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Contudo, o diagnóstico pode ser feito ainda durante a gestação, por meio do ecocardiograma fetal, único exame capaz de detectar uma cardiopatia congênita enquanto o bebê ainda está na barriga da mãe, feito entre 21 e 28 semanas de gestação. “Esse diagnóstico ainda na gravidez pode salvar muitas vidas, pois algumas cardiopatias precisam de intervenção e centro especializado assim que o bebê nasce. No país, pelo menos 50% dos casos são diagnosticados no pré-natal”, explica a cardiologista pediatra.

Infelizmente, esse exame não está no protocolo padrão do pré-natal e é solicitado apenas quando há casos antecedentes de cardiopatia congênita na família, ou alteração nos ultrassons.

Por isso, o acompanhamento médico no pré-natal é importante para o diagnóstico, caso existam fatores que levantem a suspeita clínica de problemas cardíaco-fetais. O ultrassom morfológico também pode apontar indícios de cardiopatia.

O Ministério da Saúde informa que o SUS conta com profissionais qualificados para identificar os sinais e sintomas das cardiopatias, diagnosticá-las e prover o acompanhamento apropriado. O Brasil possui 69 unidades de saúde públicas, distribuídas em 20 Estados e no Distrito Federal, para realizar cirurgias cardiovasculares pediátricas. Considerando que 80% das crianças cardiopatas precisam ser operadas em algum momento da vida – e que metade delas precisa da cirurgia no primeiro ano de vida –, o governo federal percebeu que era preciso ampliar o número de procedimentos realizados no sistema público que, em 2017, foi abaixo de dez mil. Dados do MS de 2018 mostram que foram a óbito por malformações congêntias do coração e doenças do aparelho circulatório 3.603 crianças.

Para melhorar a rede de atendimento, o MS lançou, em 2017, o Plano Nacional de Assistência à Criança com Cardiopatia Congênita. Na ocasião, houve o reajuste dos valores pagos por 49 procedimentos de cirurgia cardiovascular pediátrica, com um aumento médio em torno de 60%. Além disso, foi modificado o tipo de financiamento federal, passando o custeio dos procedimentos a ser realizado por meio do Fundo de Ações Estratégicas e Compensação (FAEC), instrumento que assegura o pagamento pós-produção dos procedimentos realizados sem qualquer interferência por parte das decisões em saúde locais.

Desafios no acesso e atendimento 

Ainda que tenham ocorrido avanços no acesso dos cardiopatas ao tratamento cirúrgico, é necessário manter as ações conduzidas desde então e incentivar outras medidas propostas pelo plano do governo federal, entre as quais a ampliação do acesso ao diagnóstico e a capacitação da equipe multidisciplinar no cuidado.

Klebia Castello Branco acredita ser o atendimento integral a criança com cardiopatia no Brasil um do maiores desafios do SUS, pelas dimensões continentais do país, distribuição geográfica desigual dos centros de referência de cardiologia e cirurgia cardíaca pediátrica e ausência de serviços especializados em alguns Estados, das regiões Norte e Nordeste, existindo ainda anomalia que não é diagnostica e, consequentemente, não tratada adequadamente. Mesmo na rede privada, há Estados que não possuem equipes multiprofissionais especiazadas para o atendimento dessa parcela da população e o atendimento precisa ser feito em centros especializados de alta complexidade. “Sabemos que existe um déficit de diagnósticos e de tratamento dessas crianças. Mesmo quando detectado o problema, muitos pacientes não têm a chance de tratamento ideal ou são tratadas tardiamente. A expectativa de todo cardiopata, bem como de seus familiares, é a garantia do acesso e do cuidado integral, resolutivo e de qualidade“, destaca.

O tratamento clínico da cardiopatia congênita é feito conforme o quadro que a criança apresenta. Algumas cardiopatias congênitas não necessitam de tratamento, uma vez que podem apresentar cura espontânea. As cardiopatias que evoluem de forma mais grave geralmente apresentam a opção de tratamento cirúrgico, algumas vezes realizado já no período neonatal, outras vezes no lactente ou criança maior, conforme a necessidade.

Atualmente, há a opção do cateterismo cardíaco terapêutico, que pode realizar procedimentos paliativos e até mesmo curativos. Com a melhoria do tratamento clínico e cirúrgico, a maioria dos pacientes atinge a idade adulta. Há países em que existem mais adultos que crianças com cardiopatia congênita.

A apresentação clínica da doença é bastante variável, incluindo formas assintomáticas e detectadas apenas com exame físico minucioso. Os sintomas mais comuns são falta de ar, cansaço aos esforços, cianose (coloração azulada da pele), arritmias, síncope, hipertensão arterial, entre outros, e cansaço às mamadas, no caso dos bebês.

Os cardiologistas são unânimes em afirmar que o ideal é corrigir o defeito estrutural. Segundo eles, de acordo com o caso, o bebê pode sofrer uma intervenção ainda no útero, ser submetido à cirurgia imediatamente após nascer ou, também aguardar meses ou anos para chegar ao centro cirúrgico.

By redator

Posts assinados como redator são sugestão de pauta enviados por agências.

Social Media Auto Publish Powered By : XYZScripts.com

Discover more from Portal Vida Adulta

Subscribe now to keep reading and get access to the full archive.

Continue reading