Triglicérides em excesso e taxas de colesterol muito altas podem não ser um sinal de má alimentação, mas indicar doenças como síndrome de quilomicronemia familiar (SQF) e hipercolesterolemia familiar (HF)
Nos exames de rotina, ao se deparar com altos níveis de colesterol ou de triglicérides, é muito comum que instantaneamente os hábitos alimentares ou até mesmo o aumento da intensidade das atividades físicas sejam repensados. Entretanto, existem doenças, como a síndrome da quilomicronemia familiar (SQF) e a hipercolesterolemia familiar (HF), que apresentam como principal sinal o alto nível dessas gorduras, mesmo que o indivíduo tenha hábitos totalmente saudáveis.
Para melhor compreender essas doenças relacionadas à gordura, é preciso entender o que são os triglicerídeos (TGs) e o colesterol. Ambos são conhecidos como os dois principais tipos de gordura que circulam pelo sangue. O triglicerídeo é um tipo de gordura presente no organismo e serve como uma reserva de energia. Enquanto o colesterol é um composto gorduroso utilizado na produção das membranas celulares e de alguns hormônios.
Os triglicérides provêm de alimentos ricos em carboidratos e gordura. Esses alimentos, quando em excesso, podem elevar os níveis de triglicerídeos no sangue, causando diferentes problemas cardiovasculares. Em alguns casos é necessário realizar ajustes na alimentação e, eventualmente, o uso de medicamentos entram no tratamento para reduzir os índices. Quando a condição está relacionada aos hábitos do indivíduo, em geral, os sinais clínicos podem estar presentes, no entanto se tornam mais exuberantes quando estão relacionados a outras doenças como a SQF.
A síndrome da quilomicronemia familiar (SQF), considerada uma doença hereditária rara, é responsável por apresentar altas taxas de triglicerídeos no sangue, podendo chegar a concentrações de até 10.000 mg/dL, em geral acima de 1.000 mg/dL, quando os níveis normais não deveriam passar de 150 mg/dL. Estima-se que entre uma e duas em cada um milhão de pessoas no mundo seja afetada pela doença.
Segundo a médica especialista Maria Cristina Izar, ‘’nesses casos, o sangue fica bastante viscoso. Quando colhido, apresenta a aparência e consistência de um creme de leite, assim, além do risco de entupimento da agulha da seringa, é possível que os vasos capilares do pâncreas também fiquem obstruídos, impedindo que o sangue passe para as células, o que resulta na falta de circulação e em complicações que podem levar à morte’’.
A doença se caracteriza por uma falha no gene responsável pela produção da enzima lipoproteína lipase (LPL), ou por falhas em outros genes associados à função da LPL. A LPL tem o papel de digerir os triglicérides presentes nos quilomícrons, que correspondem à primeira partícula de lipoproteína formada a partir da ingestão de alimentos. Os quilomícrons, quando sofrem a ação da LPL, transformam-se numa partícula que é removida pelo fígado.
A deficiência ou ausência da LPL provoca um acúmulo de quilomícrons, que são partículas de gordura que transportam os triglicérides pelo sistema sanguíneo. O excesso de quilomícrons eleva muito as taxas de triglicérides o que pode desencadear dores abdominais, pancreatites, alterações nos vasos da retina, chamadas de lipemia retinalis e lesões cutâneas, chamadas xantomas eruptivos, por deposição de gorduras nesses tecidos.
Embora a SQF seja uma doença crônica, a idade em que os pacientes apresentam sintomas pela primeira vez e os tipos de manifestações variam. O diagnóstico pode ser feito através do exame clínico ou laboratorial. Inicialmente, o médico pode identificar sinais, como hepatomegalia, que caracteriza o aumento anormal do tamanho do fígado, depósito de gorduras na pele e, em alguns casos, na retina. Entre as avaliações laboratoriais que podem ser feitas, está a da ausência ou baixa atividade da enzima LPL por meio de uma amostra de sangue. Além disso, também é possível realizar um exame genético.
No caso do colesterol, existem dois tipos: o LDL (colesterol ruim), isto é, aquele que se acumula nas artérias, estreitando-as, ocasionando acidente vascular ou doenças cardíacas, e o HDL (colesterol bom), responsável por retirar o colesterol ruim das artérias. Além disso, 70% dele é produzido pelo nosso corpo e somente o restante através da alimentação, ou seja, é de suma importância considerar a herança de alguma doença genética como uma possível causa de colesterol alto, principalmente se o indivíduo leva uma vida saudável e ainda assim apresenta alterações nos exames[6]. Ainda segundo a dra. Maria Cristina, o colesterol é fundamental para a produção de vitaminas no organismo, como a vitamina D, além de ser importante para a síntese de hormônios sexuais nas glândulas.
Por outro lado, quando há um nível extremamente elevado de colesterol, é preciso investigar a hipercolesterolemia familiar (HF), é uma doença genética do metabolismo das lipoproteínas cujo modo de herança é autossômico codominante e que se caracteriza por níveis muito elevados do colesterol da lipoproteína de baixa densidade (LDL-c), e pela presença de sinais clínicos característicos, como xantomas tendinosos e risco aumentado de doença arterial coronariana prematura.
A especialista explica que a primeira indicação para o diagnóstico é a dosagem do colesterol LDL. “Outro dado que completa o diagnóstico é a presença de muitos membros da uma mesma família com níveis elevados de colesterol LDL ou total. Além de ocorrências precoces de eventos cardiovasculares”, completa.
Pacientes heterozigotos, herdam de um dos pais um gene defeituoso para o receptor de LDL e um gene normal, do outro. Entretanto a ausência de um de um gene funcional resulta em um aumento no nível de LDL para aproximadamente duas vezes o normal já na infância. Já os pacientes homozigotos herdam dois genes defeituosos, o que faz com que os receptores de LDL não tenham funcionalidade o que leva os pacientes a apresentarem uma hipercolesterolemia grave (650 a 1.000mg/dL).
A médica reforça que, em caso de evolução da doença, sintomas como nódulos benignos, que são depósitos de colesterol nos macrófagos em células inflamatórias tendem a aparecer ao longo dos tendões, de Aquiles, joelhos e cotovelos.