por Célio Pezza*
Ela era uma das últimas árvores. Estava seca, sofrida, e seus galhos, sem folhas, se quebravam a qualquer movimento. Fazia tempo que não chovia naquele mundo e toda a exuberância verde do passado só existia na sua memória. Suas raízes buscavam nas profundezas qualquer resto de umidade, mas não existia mais água. Ela sabia que era uma das últimas a permanecer em pé naquele mundo sem vida.
Por séculos ela desfrutara da amizade de todas as outras árvores, dos pequenos animais do bosque e dos duendes. Ah, os duendes! Ela se lembrava das grandes algazarras que eles faziam debaixo de sua sombra protetora. Eles eram incapazes de fazer mal a qualquer forma de vida, porém eles desapareceram e, agora, era só silêncio. Só restaram algumas poucas árvores, insistentes como ela, e um homem estranho. Ele falava para ela resistir, que as coisas voltariam a ser como foram um dia e que ainda haveria de cair água dos céus.
Ela não entendia como ele ainda estava vivo, mas lá estava ele, com seu corpo esquelético, recoberto de pele ressecada, todos os dias. A paisagem, outrora cheia de cores, agora tinha somente um tom amarelo dourado. Durante todos os dias sempre a mesma cor e as noites, cheias de estrelas, não mais existiam. A lua, no passado, tão fria, alva e romântica, transformou-se em um segundo sol, fazendo com que a escuridão desaparecesse.
Ela se lembrava do dia em que as explosões começaram; em seguida veio o calor, a cor amarela e o novo sol que trouxe o dia permanente para o mundo inteiro. Em poucos meses, tudo foi reduzido a cinzas cor de ferrugem. Era um mundo sem odores, moribundo, mas lá estava ela e o estranho. Ela se lembrou do tempo em que os duendes se reuniam aos seus pés e de quando um deles arrancou um grande cogumelo vermelho de suas raízes e, mostrando para os demais, falou com voz solene:
─ Eu tive um pesadelo! Eu vi cogumelos gigantes e vermelhos como este inundarem os céus. E todo nosso mundo foi ferido mortalmente.
Todos ficaram em silêncio, pois os duendes davam muito valor aos sonhos. Recordou também que, deste dia em diante, eles olhavam para os grandes cogumelos vermelhos com receio, como quem está vendo uma maldição.
Naquela tarde, o homem chegou mais cansado e quase não falou. Sentou-se ao pé da árvore, encostou suas mãos ressequidas no caule queimado e começou a sussurrar uma prece engasgada em sua garganta:
─ Grande Mãe! Por que permitiste a geração de monstros em teu seio? Por que deixaste o mal avançar tanto nos teus domínios? Poderia tê-los detido e não o fizeste. Poderias ter evitado a morte de seus outros filhos, como os duendes, as árvores e os animais. Mãe! Por que poupaste a mim e a esta minha amiga sofrida? Escuta minha prece! Conceda-nos a morte para não assistirmos a mais um dia deste teu desalento. Tenha piedade destes pobres que sobreviveram à desgraça que um dos teus filhos criou e livra-nos de mais um dia de vida neste inferno. Mãe! Escuta a súplica deste teu filho.
A árvore ouviu a prece e sentiu que o estranho era bom. Ela tentou consolá-lo e um pedaço de galho seco caiu bem ao lado do estranho. Ele abraçou a árvore, fechou os olhos e desejou, do fundo do seu coração, que a morte os levasse, para bem longe daquele inferno. Assim ficaram, em silêncio, por várias horas, até que os primeiros pingos grossos de chuva quente começaram a cair na terra ressequida. O estranho abriu os olhos e olhou para o céu! Lá em cima, o antigo sol estava se pondo e a imagem de uma lua esbranquiçada apareceu no firmamento. O estranho apertou com mais força a sua amiga e entendeu que a Mãe escutara sua prece.
*Célio Pezza é colunista, escritor e autor de diversos livros, entre eles: As Sete Portas, Ariane, A Palavra Perdida e o seu mais recente A Tumba do Apóstolo.