A primeira vez que eu me lembro que senti o racismo foi aos 3 anos de idade, na escola, no dia em que minha mãe colocou uma banana em minha lancheira/merendeira e os coleguinhas ao me verem comendo me chamaram de macaca. Outras crianças também haviam levado banana, mas eram brancas, e branco comendo banana não é macaco.

Logo cedo aprendi que o preconceito vem de casa, só pode ser….

Na primeira série (hoje em dia nem sei dizer qual série, já que tudo mudou), quando tinha 7 anos de idade, fui convidada para participar da peça de final de ano, o meu papel seria o da Zazá, única negra que aparecia na cartilha que a escola utilizava, assim como eu era a única negra na minha sala.

Não participei da peça… Zazá era a doméstica…..

Na pre-adolescência estudando em Ipanema em escola particular (sempre estudei em escola particular) quando tinha algum curso ou aula extra depois do horário normal do colégio, tinha que comer em algum lugar, geralmente no McDonald’s e geralmente na hora de pedir ou pagar o caixa olhava desconfiado como se eu não tivesse dinheiro, algumas vezes perguntava a coleguinha branca se ela iria pagar.

Durante um tempo pensei que tivesse “cara de pobre”… não…. era a cor que carrego na pele …

Certa vez fui convidada a me retirar da sala de aula, quando perguntei porque apenas eu se havia um grupo de amigos rindo a resposta foi que eu estava sujando o ambiente.

A cor da minha pele não era limpa o suficiente…

Na pré-adolescência minha mãe nos ensinou uma dura lição, que na maioria das vezes não ia ter problema ser amiga(o) de brancos, alguns pais faziam mais perguntas e ficavam mais de olho na criança negra presente na casa, mas depois de um tempo via que não era pobre, não ia roubar nada e tudo bem.

Mas minha mãe também ensinou que para muitos ser amigo de seus filhos pode, entrar para a família não pode, não é opção, seja amiga do meu filho mas não namore o meu filho…

Minha amiga apaixonou-se por um negro na adolescência e ao contar para sua mãe, na minha presença, a mãe colocou as mãos na cabeça e disse: “Fulana, não faça isso… coitado dos seus filhos”.

Pensei com meus botões: “coitada de mim?”

Uns 9 anos atrás, voltando de uma festa com o meu marido, estávamos em um táxi, fomos parados em uma blitz, a única que teve os pertences revistados fui eu, no final quando retornamos para dentro do táxi foi que me dei conta do ocorrido.

O taxista nos informou que haviam perguntado qual era da “morena”com o gringo, passei por prostituta, única e exclusivamente devido a cor que carrego na pele (meu marido é brasileiro)….

Trabalhei durante três anos em cia. aérea, viajava de primeira classe a todo momento, no Brasil, quando as pessoas entravam e me viam sentada na primeira classe com o meu marido, logo diziam em alto e bom tom:”Essa aí se deu bem”( nunca imaginavam que quem tinha as passagens era eu).

Na época em que começaram a ensinar na escola sobre a escravidão eu, sendo a única aluna negra na sala de aula, sempre me sentia mal, sempre sofria com os risinhos e brincadeirinhas, minha sorte foi ser “bocuda” e não levar desaforo para casa, mas por outro lado, confirmava o que muitos achavam “que negro é barraqueiro”, tinha de ser para sobreviver.

Provavelmente se a história fosse contada de maneira diferente eu não sentiria vergonha dos escravos, se eu soubesse que ocorreu um Holocausto Negro, que nos 4 séculos em que ocorreu o tráfico negreiro, a estimativa é que entre 30 e 60 milhões de africanos foram enviados para o Novo Mundo e que apenas 1/3 desses africanos sobreviveram à travessia, que ao lado dos navios negreiros comumente se via tubarões, pois os negros que morriam ou que contraiam doenças durante a viagem eram lançados ao mar, e que entre os séculos VII e o XVI a África vivia um grande desenvolvimento econômico, político e cultural com a criação de vários Estados, Reino e Impérios, talvez eu não tivesse tido vergonha dos meus antepassados.

Apesar da nossa cultura noveleira, sinceramente, NUNCA vi a minha família, nem de nenhum parente meu, retratado na telinha, somos uma família de classe média, cujo pai é um executivo, os filhos frequentaram excelentes escolas e universidades, o pai não rouba, a mãe não dá golpes, os filhos não são gays nem junkies, não escondemos dos amigos nenhum parente que more em comunidade carente nem em penitenciária, pelo simples fato, que não há esse tipo estereotipado de negro em minha família.

Na minha infância não havia bonecas negras no Brasil, todas eram brancas.Hoje em dia há bonecas negras no Brasil, mas admito que mesmo tentando comprar para dar de presente para crianças que conheço, a maioria das bonecas negras são feias, parece que feitas por obrigação, fora uma barbie que vi outro dia e parecia mais uma garota de programa.

A maioria dos negros sofrem diariamente com o racismo.
A maioria dos negros moram em condições de pobreza /ou miséria.
Dificilmente encontro um porteiro negro nos prédios que moro/morei ou frequento.
Dificilmente encontro vendedoras negras nas lojas nos Shoppings que frequento.
Geralmente os seguranças de prédios, shows, shoppings, etc, são negros.
Geralmente os meninos que fazendo malabares com limão no sinal de trânsito são negros.

Minha visão sobre as cotas? Da forma que foram feitas está errado, é necessário fazer algo e vamos ser sinceros e parar de falar apenas no ensino de base que deveria ser melhor, pois não será tao cedo e ninguém está afim de esperar mais 30 anos para a situação do negro no Brasil mudar.

O governo tinha que ter cursos preparatórios de pré-vestibular, gratuito específicos para jovens carentes, de preferência perto das comunidades onde moram. Simples assim, curso intensivo, preparatório para ingressarem na Universidade.

Aos 30&Alguns quando tocamos no assunto da raça é que notamos o quanto ele incomoda a muitos que não se consideram racistas. Em um país onde a população negra por sofrer diariamente com o racismo prefere ser chamada de morena(o), chocolate, marrom bombom, morena(o) de pele, mulato(a) – não me chame de algo que tem sua origem na mula – , ou seja, qualquer coisa menos negra(o) – eu particularmente prefiro preta, não vem de navio negreiro – é porque algo tem que ser mudado, a alto estima de um povo é extremamente baixa.

obs1. Durante esses “debates”, fúrias e etc contra as cotas já li e já escutei mais de uma vez que se os negros querem reparação que voltem para África, se o continente Africano estivesse bem como o Europeu, duvido que alguém iria estar sugerindo pagar passagens para os negros irem viver bem.

obs2. Já reparou como os políticos negros quando erram ou roubam são tratados de forma pior que os políticos brancos que cometem os mesmos delitos ou piores? Que dificilmente conseguem se reeleger, duvido muito que um político negro que fosse conhecido por “rouba mas faz” seria reeleito infinitas vezes.

obs3. Não venha me falar que somos todos iguais e que raça não existe (na boa, somente brancos falam isso), muito menos que o preconceito é social, porque estudando em ótimas escolas e universidades, tendo feito intercâmbio, falando 3 idiomas, sou discriminada pelo menos uma vez por semana, então me poupe do seu comentário nonsense.

Esse texto é apenas Uma visão negra a respeito da situação do negro no Brasil.

By Veri Serpa Frullani

Veri Serpa Frullani, brasileira, mãe e esposa, atualmente vive em Dubai, já morou em Nova York, São Paulo e Rio de Janeiro. Bacharel em Turismo, produtora multimída, escritora, designer de acessórios, também é editora do Portal Vida Adulta, do Geek Chic e do Firma Produções. Já editou os extintos Brazilians Abroad e Comida Brasileira. Veri Serpa Frullani tem presença e influência na internet desde 1999, já foi colaboradora de vários projetos e sites, entre eles TechTudo, Digital Drops, Olhar Digital e dos extintos Nossa Via e Deusario.

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