TDAH na terceira idade
TDAH na terceira idade

Avós com TDAH: Quando o Diagnóstico Chega Na Terceira Idade

No Dia dos Avós, celebrado em 26 de julho, milhares de famílias se reúnem para ouvir histórias, dividir memórias e celebrar a sabedoria acumulada ao longo dos anos. Mas, por trás de muitos relatos contados entre risos e saudade, há também histórias de uma vida inteira convivendo com sintomas nunca explicados até agora. É como se muitas peças de um quebra-cabeças finalmente encontrassem seu lugar.

O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), tradicionalmente associado a crianças, também pode afetar os idosos. E, em muitos casos, o diagnóstico só chega depois dos 60 anos, transformando completamente a compreensão que essas pessoas têm sobre si mesmas.

“O TDAH é um transtorno do neurodesenvolvimento que acompanha o indivíduo ao longo da vida. O que muda são as formas como ele se manifesta e, principalmente, como é percebido pelas pessoas”, explica o

Dr. Matheus Trilico, neurologista especialista em TDAH e neurodiversidade. Segundo o especialista, aproximadamente 2% a 4% dos adultos com mais de 65 anos podem apresentar o transtorno, sendo que a maioria cresceu em uma época em que o TDAH era completamente desconhecido.

Quando o “Jeitinho” de Sempre Ganha Nome e Sobrenome

O Dr. Matheus Trilico observa que muitos de seus pacientes idosos chegam ao consultório relatando que sempre foram vistos como “avoados”, “desorganizados” ou “esquecidos demais”. “É comum ouvirmos relatos como ‘sempre fui assim, desde criança’ ou ‘minha família sempre disse que eu era distraído’. Essas características, que muitas vezes foram motivo de críticas ao longo da vida, ganham finalmente uma explicação científica”, conta o neurologista.

Na terceira idade, o TDAH se manifesta de forma diferente do que observamos em crianças. A hiperatividade física típica da infância dá lugar a uma inquietação interna persistente, enquanto os problemas de atenção e organização se intensificam. Segundo Dr. Trilico, “é como se o cérebro estivesse sempre em movimento, mesmo quando o corpo está em repouso”.

Sinais que Toda Família Deveria Reconhecer

Muitos avós atribuem suas dificuldades ao “envelhecimento normal”, sem perceber que podem estar lidando com sintomas de TDAH. O Dr. Matheus Trilico destaca alguns sinais importantes: “É comum encontrarmos avós que sempre tiveram problemas para se organizar, que se distraem facilmente durante conversas familiares ou que começam várias tarefas ao mesmo tempo, mas têm dificuldade para terminar qualquer uma delas”.

O especialista alerta que, quando essas dificuldades interferem significativamente na qualidade de vida, é hora de buscar avaliação especializada. “A diferença está no impacto funcional. Quando o esquecimento constante afeta a capacidade de cuidar dos netos, quando a desorganização impede a gestão da casa ou quando a falta de foco prejudica relacionamentos, precisamos investigar”, orienta.

Pesquisas recentes publicadas no Journal of Attention Disorders demonstram que adultos mais velhos com TDAH apresentam maior declínio da atenção seletiva e dificuldades mais acentuadas em tarefas que exigem controle inibitório (SIBLEY et al., 2022). Esses achados científicos confirmam que o transtorno não desaparece com o envelhecimento, mas se adapta às novas demandas da vida.

O Diagnóstico que Muda Tudo

O diagnóstico tardio de TDAH pode representar uma verdadeira virada de chave na vida dos avós. O Dr. Matheus Trilico relata que “muitos pacientes descrevem uma sensação de alívio e autocompreensão após décadas de autocobrança e frustração. É como se finalmente entendessem por que sempre se sentiram diferentes”.

Uma de suas pacientes, aos 68 anos, disse após o diagnóstico:

“Finalmente entendi por que sempre me senti como se estivesse remando contra a corrente, mesmo nas tarefas mais simples”. Segundo o neurologista, essa reação é extremamente comum. “Eles descobrem que não eram preguiçosos, desorganizados ou ‘avoados demais’. Havia uma razão neurobiológica, e agora há caminhos para lidar com isso”, destaca.

Impactos na Dinâmica Familiar

O TDAH na terceira idade não afeta apenas o indivíduo, mas toda a dinâmica familiar. O Dr. Trilico explica que “avós com TDAH não diagnosticado podem apresentar maior dificuldade em cuidar dos netos, esquecendo compromissos importantes ou tendo problemas para manter rotinas organizadas”. Essa situação pode gerar frustração e incompreensão familiar, especialmente quando os sintomas são interpretados como desleixo ou falta de interesse.

Estudos longitudinais publicados na revista Aging & Mental Health revelam que adultos mais velhos com TDAH apresentam maior risco de isolamento social e dificuldades na manutenção de relacionamentos interpessoais (MICHIELSEN et al., 2021). “Quando a família compreende que o TDAH é uma condição neurobiológica legítima, não uma questão de caráter ou personalidade, todo o ambiente familiar se torna mais acolhedor e terapêutico”, explica o especialista.

Desafios Únicos do Diagnóstico Tardio

O diagnóstico de TDAH na terceira idade apresenta complexidades específicas. O Dr. Matheus Trilico explica que “existe uma sobreposição significativa entre sintomas de TDAH e alterações cognitivas relacionadas ao envelhecimento normal, o que pode confundir tanto pacientes quanto profissionais de saúde”.

Muitas vezes, esses sinais são confundidos com envelhecimento normal ou até demência em estágio inicial. Mas o TDAH tem características próprias. Segundo Dr. Trilico, “a dificuldade de planejamento, a desatenção crônica, a impulsividade, a ansiedade associada e o histórico de vida atribulado são pistas importantes que nos ajudam a distinguir o TDAH de outras condições”.

Tratamento que Transforma

Quando o TDAH é diagnosticado na terceira idade, o tratamento deve ser cuidadosamente adaptado. O Dr. Matheus Trilico esclarece que “o metabolismo dos medicamentos se altera com o envelhecimento, exigindo doses menores e monitoramento mais rigoroso”. Mas o tratamento vai muito além da medicação.

Com acompanhamento médico, ajustes no estilo de vida e estratégias comportamentais, é possível melhorar significativamente a qualidade de vida dos idosos com TDAH. Pesquisas publicadas no International Journal of Geriatric Psychiatry demonstram que intervenções não farmacológicas, como terapia cognitivo-comportamental adaptada e treinamento de habilidades executivas, apresentam eficácia significativa em adultos mais velhos com TDAH (YOUNG et al., 2020).

“O mais impressionante é ver como o tratamento pode trazer alívio real, mesmo após décadas de convivência com os sintomas. Pacientes relatam melhora na organização, na capacidade de manter conversas, na gestão das tarefas domésticas e, principalmente, no relacionamento com familiares”, conta Dr. Trilico.

Uma Nova Perspectiva de Vida

O diagnóstico correto pode representar o começo de uma vida mais leve e acolhida. O Dr. Matheus Trilico destaca que “quando conseguimos otimizar a atenção e as funções executivas, observamos melhora na capacidade dos avós de participar ativamente da vida familiar, cuidar dos netos e manter autonomia nas atividades diárias”.

Além do impacto individual, há benefícios para toda a família. “Netos que não entendiam por que o avô ou avó era ‘diferente’ passam a compreender e desenvolver maior empatia. Filhos que cresceram sentindo que seus pais eram ‘desatentos’ descobrem que havia uma explicação médica”, explica o neurologista.

O Convite à Reflexão Familiar

Neste Dia dos Avós, além de homenagens e celebrações, fica o convite à escuta e ao cuidado. O Dr. Matheus Trilico sugere que as famílias prestem atenção a sinais que podem ter sido negligenciados: “Talvez aquele esquecimento constante, aquela dificuldade de foco ou aquele jeito impulsivo de um avô ou avó tenha uma explicação mais profunda”.

O especialista conclui com uma reflexão tocante: “Cada avô ou avó que recebe o diagnóstico correto e o tratamento adequado representa não apenas uma melhoria individual na qualidade de vida, mas também uma oportunidade para toda a família compreender melhor décadas de histórias e comportamentos. É como se finalmente pudéssemos ler o livro da vida dessa pessoa com os óculos certos”.

Com o envelhecimento populacional e o crescente reconhecimento do TDAH em adultos, espera-se que mais casos sejam identificados na terceira idade. A mensagem é clara: nunca é tarde para buscar compreensão e cuidado adequado. E o diagnóstico certo, mesmo que tardio, pode ser o começo de uma vida mais plena e acolhida.

Sobre o Dr. Matheus Trilico – CRM 35805PR, RQE 24818. Médico pela Faculdade Estadual de Medicina de Marília (FAMEMA); Neurologista com residência médica pelo Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (HC-UFPR); Mestre em Medicina Interna e Ciências da Saúde pelo HC-UFPR; Pós-graduação em Transtorno do Espectro Autista. Mais artigos sobre TEA e TDAH em adultos podem ser vistos no portal do neurologista.

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